Pular para o conteúdo
Search

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO 2ª VARA DA COMARCA DE BÚZIOS

PODER JUDICIÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO
2ª VARA DA COMARCA DE BÚZIOS
PROCESSO Nº 0004238-61.2016.8.19.0078
Trata-se de ação popular proposta por Marcio dos Santos Vianna em face do Município de Armação dos Búzios com pedido liminar para que seja concedida tutela inibitória com vistas a que a municipalidade cesse imediatamente as operações de blitz, típicas das atuações das polícias militar, civil ou rodoviária federal ou federal, que estão sendo diariamente realizadas irregularmente por sua guarda municipal nas principais vias desta cidade.
Alega o demandante deter legitimidade ativa para pedir anulação de atos que ofendam a moralidade pública, obtemperando ainda que o artigo 5ᵒ, inciso LXXIII, da Constituição Federal é instrumento de garantia e direitos fundamentais e deve ser interpretado de forma ampliativa para fazer cessar atos do Poder Público que ofendam direitos e garantias individuais.
Destarte, correta a hermenêutica feita pelo autor, pois o instrumento da ação popular pode sim ser manejado contra atos do Poder Público que firam direitos e garantias individuais, mormente quando tais atos são perpetrados com desvio de finalidade como aponta o autor, como a realização de blitz nesta circunscrição por agentes da Guarda Municipal que estão em operações tresloucadas parando veículos em movimento e exigindo dos motoristas documentos de porte obrigatório.
Assinala ainda o autor que os agentes da Guarda Municipal buziana vêm agindo com extrema truculência e abuso de autoridade em diversas destas operações realizadas com desvio de finalidade, pois de acordo com o artigo 144, parágrafo 8ᵒ, da Constituição Federal: Os Municípios podem constituir guardas municipais destinados à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei, donde se dessume que a guarda não detém poder de polícia para realizar blitz típicas de forças policiais.
A municipalidade instada a responder à presente ação popular aduz que detém competência para executar e fiscalizar o trânsito em vias terrestres no âmbito de sua circunscrição, como ressalta o artigo 24, incisos I, VI e XI, do Código de Trânsito Brasileiro, pugnando pelo indeferimento da medida.
Certa a municipalidade neste aspecto quanto à sua competência de executar e fiscalizar medidas de trânsito, o que inclusive a fez celebrar CONVÊNIO com o ente autárquico DETRAN para a aplicação de multas por infrações de trânsito, todavia, tal execução e fiscalização é supletiva à ação dos órgãos policiais, sendo certo que ações típicas de polícia não podem vir a ser desempenhadas por agentes municipais.
Assim, é certo que a Guarda Municipal tem competência e legitimidade para aplicar multar à motoristas que estejam infringindo à legislação de trânsito em vias terrestres, a exemplo de motoristas dirigindo ao falar em celulares, motociclistas conduzindo motocicletas sem capacete, motoristas conduzindo veículos sem o uso de cintos de segurança, e etc. No entanto, tais multas podem muito bem ser aplicadas por mera visualização do agente de trânsito da infração cometida, devendo haver cautela quando tal atuação transborda para a aplicação de medidas próprias de agentes policiais, como a efetuação de blitz, abordagem de veículos e revista de automóveis e de seus ocupantes, pois nenhum convênio celebrado com ente autárquico estadual de trânsito tem o condão de transmudar a estrutura da segurança pública expressa no artigo 144 da Constituição Federal, pois embora a segurança pública seja dever de todos, as ações próprias de polícias são destinadas apenas aos órgãos elencados nos incisos I a V do suso dispositivo constitucional, que são descritos numerus clausus.
Isto quer dizer que o parágrafo 8ᵒ do artigo 144 da Constituição Federal não comporta interpretação extensiva de modo a transmudar à atuação da guarda municipal em atuação própria de Órgão Policial, mesmo sem embargo de sua atuação de agente de trânsito, pois as atuações das polícias podem, quando exigível e razoável, interferirem em direitos individuais, como, por exemplo, o direito à livre locomoção.
Portanto, toda atuação supletiva das Guardas Municipais no âmbito da Segurança Pública deve ser sopesada cum grano salis, pois tal suplementação não pode transbordar aos poderes próprios conferidos pela Ordem Jurídica a tais agentes, interferindo assim, no âmbito dos poderes de polícia conferidos à órgãos policiais, que são estes sim incumbidos da persecução penal e da preservação da ordem pública sob o aspecto da prevenção de atos infracionais tutelados pelo Direito Penal.
Assim, insta salientar que a cautela na atuação da Guarda Municipal deve visar não só proteger os direitos de primeira geração dos munícipes e dos cidadãos que estejam em trânsito em vias terrestres por esta circunscrição, mas também a proteger, sobretudo, a própria integridade física dos agentes da municipalidade em questão, que, frise-se, não são autorizados a portarem armas de fogo em serviço e podem vir assim a sofrer nas ditas operações e atuações, represálias por meliantes armados que estejam, eventualmente, transitando em veículos automotores. Ressaltando-se que a criminalidade na região dos Lagos, mormente a que está envolvida nas organizações voltadas para mercancia de drogas, como em todo o Estado, vem crescendo de modo paulatino. Aliás, todos os índices de criminalidade vêm aumentando. Com efeito, o que se necessita é de atuação policial, e não da guarda municipal atuando com desvio de finalidade e com abuso de autoridade, como recentemente vem sendo noticiado pelos munícipes buzianos em redes sociais.
Ademais, as operações de blitz que são realizadas pelos guardas municiais nesta Comarca, notoriamente, ocorrem apenas nos horários de maior afluxo de veículos automotores, ou seja, nos dias de semana nos horários de deslocamento de cidadão de bem para o trabalho ou vice-versa, a saber, na parte da manhã, no horário de almoço ou por volta das 17 horas da tarde. Sendo que o trânsito desta cidade está cada vez mais caótico, pois um dos grandes problemas desta municipalidade é a mobilidade urbana, eis que há poucas vias principais de acesso ao centro desta cidade, que se localiza na região peninsular.
Nesta senda, insta destacar que na semana passada houve uma abordagem da guarda municipal nestas operações de trânsito que causou grande repercussão nas redes sociais e na mídia, eis que dois agentes da guarda interceptaram um motociclista e aparentemente, sem necessidade, o imobilizaram com uma gravata, atirando-o ao chão e batendo neste cidadão com cassetete. Toda ação foi gravada e filmada por um transeunte, sendo que tal vídeo como se diz comumente em neologismo: ‘viralizou’ no site YouTube. Sendo certo que este não foi o primeiro fato desabonador relativo a tais operações da Guarda Municipal que chegou ao conhecimento deste Juízo, pois vários registros de crimes em tese abuso de autoridade perante a 127ᵃ Delegacia de Polícia vêm sendo confeccionados por cidadão em relação à atuação de guardas municipais nestas operações atabalhoadas de trânsito, mormente porque este Juízo detém ainda competência criminal haurida do Juizado Especial Criminal Adjunto da Comarca de Armação dos Búzios.
Com efeito, o próprio Ministério Público que, na sua promoção anterior havia apenas requisitado, ad cautelam, ao Juízo que a municipalidade trouxesse a colação o convênio celebrado com o ente autárquico estadual, a saber, com o Departamento de Trânsito do Estado, para perscrutar com proficuidade a eventual competência da Guarda Municipal para realizar ditas operações de trânsito, por ora, já opina favoravelmente pela concessão liminar da tutela inibitória com escopo de fazer cessar toda e quaisquer operação de blitz de trânsito realizadas exclusivamente por agentes do respectivo órgão municipal.
Destaca o Ministério Público as lições sempre acertadas de nosso baluarte do Direito Constitucional, José Afonso da Silva.
Os constituintes recusaram várias propostas no sentido de instituir alguma forma de Polícia Municipal. Com isso, os Municípios não ficaram com qualquer responsabilidade específica pela segurança pública. Ficaram com a responsabilidade por ela na medida em que, sendo entidades estatais, não podem eximir-se de ajudar os Estados no cumprimento dessa função. Contudo, não se lhes autorizou a instituição de órgão policial de segurança, e menos ainda de polícia judiciária. A Constituição apenas lhes reconheceu a faculdade de constituir Guardas Municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei. Aí, certamente, está uma área que é de segurança pública: assegurar a incolumidade do patrimônio municipal, que envolve bens de uso comum do povo, bens de uso especial e bens patrimoniais, mas não é de polícia ostensiva, que é função da Polícia Militar. Por certo que não lhes cabe qualquer atividade de polícia judiciária e de apuração de infrações penais. que a Constituição atribui com exclusividade à Polícia Civil (art. 144, § 4º), sem possibilidade de delegação às guardas municipais (…) Quanto às funções auxiliares do policiamento ostensivo, só serão admissíveis aquelas que se refiram a aspectos estáticos, como atendimento e orientação em postos policiais da Polícia Militar e sob direção desta…O certo é que as Guardas Municipais não tem competência para fazer policiamento ostensivo nem judiciário, nem a apuração de infrações penais. Comentário Contextual à Constituição; 1ª ed. São Paulo; Malheiros, 2005, p. 638/639.
Corroborando ainda mais esse entendimento, a jurisprudência brasileira já vem se posicionando nesse sentido: “Guarda Municipal é guarda de patrimônio público municipal e não está investida de funções de natureza policial. Não lhe cabe, arvorando-se em agente policial, dar busca pessoal em quem quer que seja e sem razão plausível. O manifesto abuso dos guardas leva a que se rejeitem os seus informes (TJSP – Ap. Crim. 96.007-3/0)”.
Deste modo, o Juízo ao sopesar, sobretudo, os últimos acontecimentos envolvendo supostos abusos de autoridade cometidos por guardas municipais em blitz de trânsito, como a ocorrida na semana passada na qual um cidadão que conduzia uma motocicleta foi interceptado por guardas municiais e, em ato continuo, veio a ser brutalmente imobilizado no meio fio na Estrada da Usina, conforme matéria do RJTV- Lagos, do dia 26/04/2017, concede, então, por ora a tutela inibitória, a fim de que a municipalidade, nas pessoas do Secretário Municipal de Segurança Pública e do Chefe da Guarda Municipal, faça cessar toda e quaisquer operação de blitz de trânsito executadas por guardas municipais nesta Comarca, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), revertida em prol do Fundo Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
Coteja-se em juízo perfunctório, assim, que tais blitz de trânsito ultrapassam e transcendem a competência e os poderes conferidos a Guarda Municipal de Armação dos Búzios pela Ordem Jurídica como um todo para mera fiscalização da legislação de trânsito em vias terrestres; bem como coteja-se ainda que os agentes da Guarda envolvidos em tais operações estão, portanto, desviados de suas funções institucionais, agindo, por via de consequência, com abuso de poder e desvio de finalidade.
Em decorrência, o Juízo ao ponderar com base nos postulados da razoabilidade e proporcionalidade, mormente com base no princípio da proporcionalidade em sentido estrito, concede a presente tutela inibitória para olvidar extrapolação de competências, desvios de finalidade, abusos de autoridade e, inclusive, para preservar a própria imagem da Guarda Municipal de Armação dos Búzios, eis que tais atuações, desvirtuadas ainda de cautela e proporcionalidade, vem, ultimamente, gerando sentimento de revolta e perplexidade no seio da população buziana.
Dessume-se, portanto, neste juízo perfunctório que as operações de trânsito realizadas exclusivamente por guardas municipais, além de transbordar a competência institucional conferida ao aludido órgão municipal, não se mostram adequadas, isto é, não há adequação entre o meio empregado (blitz) e o fim perseguido, a saber, a profícua fiscalização do trânsito em vias terrestres. Além do mais, tais operações de blitz que vêm sendo realizadas exclusivamente por guardas municipais, não são necessárias ou exigíveis, pois tais ações para perscrutar se veículos automotores estão, ou não, com o pagamento de IPVA’s em dia podem muito bem vir a ser executadas pela Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro, que é órgão policial que já exerce tal mister. Ademais, de acordo com o princípio da proporcionalidade em sentido estrito, conclui-se que o ‘benefício’ eventualmente trazido por tais operações, se ponderado e contrastado com o mal reflexamente infligido à população, a saber, intervenções indevidas e limitações aos direitos individuais, viola assim, o princípio de vedação de excesso.
Registre-se, por último, em relação à real finalidade de tais operações de blitz realizadas exclusivamente por guardas municipais, que transparece tais deterem apenas o fim desvirtuado de arrecadação ‘extrafiscal’ de receita para municipalidade, pois os eventuais veículos apreendidos são encaminhados para o Depósito Municipal, sendo que o proprietário só retira o seu veículo mediante o pagamento dos custos do reboque e das diárias deste depósito forçado.
Isto posto, concedo por ora, liminarmente, a tutela inibitória, a fim de que o Município de Armação dos Búzios, oficiado nas pessoas do Secretário Municipal de Segurança Pública e do Chefe da Guarda Municipal, faça cessar imediatamente toda e quaisquer operação de blitz de trânsito executada por guardas municipais nesta Comarca, sob pena de pagamento de multa diária de R$ 40.000,00 (quarenta mil reais), revertida em prol do Fundo Especial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, bem sob pena de cometimento de crime de desobediência, ou para que não haja exercício ilegal de função ou abuso de autoridade.
Oficiem-se, assim, o Secretário Municipal de Segurança Pública e o Chefe da Guarda Municipal, nos termos acima determinados.
Ad cautelam, a Guarda Municipal não está interditada de suas funções regulares de fiscalização de trânsito, podendo continuar nos termos do convênio com o ente autárquico estadual de Trânsito a aplicar multas ou a rebocar veículos que estejam estacionados em lugar proibido.
Búzios, 02 de maio de 2017.

MARCELO ALBERTO CHAVES VILLAS

 

Juiz de Direito

Fonte: TJ-RJ

Noticiário das Caravelas

Coluna da Angela

Angela é uma jornalista prestigiada, com passagem por vários veículos de comunicação da região, entre eles a marca da imprensa buziana, o eterno e irreverente jornal “Peru Molhado”.

Coluna Clinton Davison

Matérias Relacionadas

Cabo Frio sedia Fórum de Desenvolvimento da Região dos Lagos

Tawa Beach Club promete fim de semana repleto de atrações musicais e gastronômicas

Acúmulo de lixo em Itaipava ameaça saúde pública e economia local

Exposição celebra 200 anos da imigração alemã no Brasil

NOTÍCIAS DE GRAÇA NO SEU CELULAR

A Prensa está sempre se adaptando às novas ferramentas de distribuição do conteúdo produzido pela nossa equipe de reportagem. Você pode receber nossas matérias através da comunidade criada nos canais de mensagens eletrônicas Whatsaap e Telegram. Basta clicar nos links e participar, é rápido e você fica por dentro do que rola na Região dos Lagos do Rio de Janeiro.

Receba nossa Newsletter!

Poxa você já está indo? Bem que você, poderia ficar mais um pouco!

Se precisar mesmo ir, não deixe de assinar nossa Newsletter. Todo dia enviamos nossas notícias diretamente no seu e-mail, você fica informado sobre tudo em primeira mão.

Receba nossa Newsletter!

Ahh outra coisa, ao assinar, acesse seu e-mail e confirme que deseja receber nossa newsletter.