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Cidades

Eu existo? Carta aberta aos quase “brancos”

Por Kamila Carino – advogada e mestranda em Sociologia Política pela Universidade Estadual do Norte Fluminenese Darcy Ribeiro UENF

Começos são sempre difíceis. Inclusive, os direcionados ao início de um processo criativo. E aqui, encaixo a escrita. O começo do processo de escrita deste texto foi para mim um dos mais difíceis, não porque se trate do texto da minha vida, mas porque se trata um pouco de um texto sobre a minha vida. A força motriz desta escrita singela e sincera é uma inquietação muito pessoal, mas o que faz dela verdadeira é que parto do pressuposto de que por mais visceral que seja a minha inquietação, ela não é original.


Estou quase certa de que este fantasma também assombra os limites de existência de muitas outras pessoas que, como eu, possuem traços de miscigenação muito híbridos e utilizados como um apagamento sociocultural. Minha inquietação parte de um termo que vem sendo debatido há algum tempo nas universidades, nas redes sociais, nos textos acadêmicos e jornalísticos: o colorismo.


O colorismo surgiu como uma forma de reconhecimento de privilégios. Ele sugere que as desigualdades e os critérios de discriminação de um determinado indivíduo aumentam e se tencionam de acordo com a tonalidade de sua pele. Significa que quanto mais escura uma pessoa é, mais discriminação e preconceito racial ela pode sofrer. O que se traduz no fato de que indivíduos que se colocam dentro do mesmo grupo étnico podem sofrer opressões distintas a depender da tonalidade da pele. Diante disto, o colorismo sugere e denuncia o “privilégio” dos pretos de pele clara em comparação aos pretos de pele escura.


Não tenho nenhuma intenção de questionar o diálogo que o termo tem com a vivência de pessoas de pele retinta, nem tenho lugar para isto, muito menos relativizar essa problemática. Acredito que seja justo e legítimo o olhar sobre as nuances de existências dentro de uma mesma comunidade. Afinal, pessoas brancas são plurais. Logo, pessoas pretas também deveriam ser, não é mesmo? E aqui, começa, verdadeiramente, minha questão com esse assunto.


Cresci a vida inteira sendo convencida a ocupar o lugar de uma pessoa branca na sociedade. Acreditei, a duras penas, que poderia reivindicar esse espaço como meu e que uma mentira contada muitas vezes (mesmo que só para mim) se tornaria uma verdade. Ledo engano, não se torna. Talvez o olhar sobre mim tenha partido da ideia de precisar sofrer o racismo e a discriminação no mesmo tom das pessoas pretas de pele escura para me colocar na cena enquanto uma mulher não branca. Outro grande erro.


O colorismo serve para questionar o privilégio e a vantagem de acesso de pessoas negras de pele clara a lugares que pessoas negras de pele escura não chegam também aprisiona o nosso entendimento e nossa construção de identidade racial. O privilégio existe – preciso neste momento ser determinista para não pagar o preço de ser mal interpretada, mas não é só isso.
Ao alisar meu cabelo e me manter em um espaço de pessoas brancas, performo muito bem a branquitude, mas não me torno uma pessoa branca. Também não me tornei uma pessoa preta somente porque reivindico os traços da minha miscigenação. Assim, passei a não existir em nenhum lugar. Nem tão branca, nem tão preta, mas, sem dúvidas, “aceita”.


A “aceitação” fez durante muito tempo vestir a capa do meu privilégio e deixou de pontuar a questão. Afinal, para mim era melhor evitar o desgaste de uma discussão que não altera em nada a vida de outras pessoas. Sejam elas brancas ou pretas, o que meu entendimento a respeito da minha própria identidade racial pode florescer no campo desse discurso? Melhor seguir não existindo e ao não existir também não resisto. Assim, me poupo do trabalho de tentar te convencer e até mesmo de me convencer a ocupar um lugar, de entender e relacionar as minhas vivências com minha origem étnica. Isso me protege, mas também me afasta de mim.


Foi lendo um texto da Sueli Carneiro sobre negros de pele clara que entendi o porquê do local dos brancos ser pra mim algo tão inacessível e o lugar dos pretos ser tão desconfortável. É exatamente no meu desconforto que amarro o texto. O texto da Sueli traz um questionamento muito legítimo sobre o apagamento da identidade racial da pessoa preta no Brasil. Afinal, preto é tudo igual não é mesmo? É mais uma das grandes construções brancas delimitadoras, até hoje, nosso território de existência. Mas eu existo, não existo? E se existo, onde me encaixo?
Faz parte do nosso viver coletivo querer determinar e nos categorizar em grupos, o que pra mim tem sido uma tarefa bem difícil. Uma porque me parece que reconhecer meu privilégio de pele clara faz me afastar de qualquer aspecto de negritude da minha vida e duas porque usar o privilégio somente a meu favor faz com que me esconda. Esconda minha mãe. Meu passado e minha identidade. Coisas muito caras para a nossa construção de individualidade.


Mas o texto traz um olhar muito particular sobre as diferenças: as pessoas brancas reservaram apenas para elas a possibilidade de serem plurais. Por isso, ninguém contesta pessoas brancas de cabelos escuros, pele mais escura, cabelos ruivos, loiros ou encaracolados. Você olha e consegue, sem nenhuma dúvida, ler que ela é uma pessoa branca com características e peculiaridades diferentes de outras pessoas brancas, mas branca. Enquanto do lado de cá há uma série de requisitos e pressupostos de coloração para se alcançar esse espaço.


A política do cancelamento tem ocupado muito bem o lugar de castração. Não faça. Não diga e não suponha ou você pode ser cancelado. Em uma sociedade onde construímos os nossos significantes pessoais a partir da validação dos outros, nos impede muito de nos orientarmos a partir de nossas próprias vivências.


Impede até que nos relacionarmos com a nossa individualidade. Então, para ser preto no Brasil você precisa ter: pele escura, cabelo crespo e narrar, no mínimo, três ou mais situações de preconceito racial. Com isso, a gente separa um grupo e faz com que um país majoritariamente preto na identidade racial seja majoritariamente branco nos costumes e valores. Afinal, eu não existo. Acredito que outros muitos de “mim” também não.

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