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Richard Nixon, e o Nascimento do “Capitalismo Negro”

 

A cena era a mais banal possível. Uma família negra dentro de um automóvel em uma via expressa. No retrovisor do carro, o motorista avista uma viatura, com as sirenes acesas e ele entende que precisa parar no acostamento. O dia estava quente, pois era pleno verão, naquele 11 de agosto de 1965. Os policiais desceram do carro, dirigindo-se ao motorista e pediram para que ele também saísse e se identificasse.

O homem foi revistado com violência, sua mulher e seus filhos assistiram a tudo indignados. Os transeuntes que estavam na rua começaram a gritar palavrões contra os policiais. Os policiais começaram a espancar o motorista, para desespero de seus familiares. Uma pequena multidão se aglomerou em torno do carro de polícia. Os policiais ameaçaram atirar no grupo, mas isso não os assustou.

Reverendo Lutter King entre os políticos brancos americanos

O carro da polícia foi depredado, os policiais quase foram linchados, não fosse a chegada de mais reforços. Em vão. A população enfurecida começou a depredar tudo o que estava em sua frente. Lojas foram saqueadas e queimadas. Alguns comerciantes armados tentaram rechaçar a turba a tiros, começaram então os tiroteios, pois alguns revoltosos também estavam armados. Caos. A revolta que estava localizada em uma rua, espalhou-se rapidamente para bairros inteiros, como um incêndio na floresta, quando a mata fica seca.

Assim foi aquele dia de agosto de 1965, em Los Angeles, no bairro de Watts. O distúrbio só foi controlado depois que a Guarda Nacional Americana fez uma intervenção na Segurança Pública da cidade. O saldo de 34 mortos, milhões de dólares em prejuízos e uma pergunta que não queria calar: quando e em que cidade americana haveria a próxima revolta racial?

Os distúrbios de Watts, como depois esta revolta passou a ser conhecida colocaram na ordem do dia a questão racial na América. Lyndon Johnson, o herdeiro político do legado de Kennedy, havia proposto um amplo programa de reformas sociais, que sua administração chamava pomposamente de “Grande Sociedade”. Tratava-se de um conjunto de medidas cujo objetivo era promover a “inclusão das minorias”, o que significava criar programas sociais para imigrantes latinos em condição irregular, negros, erradicar os focos de pobreza urbana, com a criação de empregos e a revitalização de áreas urbanas decadentes e mudar completamente os critérios de imigração. Os democratas americanos chamavam este plano de “Guerra contra a Pobreza’. As ações afirmativas, que garantiam o acesso à educação a negros em instituições antes totalmente segregadas eram a parte mais visível e controversa destas reformas.

Os distúrbios de Wahts

O movimento pelos Direitos Civis tinha uma relação ambígua com o governo Lyndon Johnson. Para alguns, as medidas adotadas pelos democratas não iam ao cerne da questão, que era erradicar não apenas a pobreza, mas a segregação racial.

O Reverendo Martin Luther King acreditava que a não violência era mais eficaz como estratégia de luta do que a confrontação aberta, pregada por ativistas como Malcom X ou Stokely Carmichael. A grande diferença entre a população negra brasileira e a americana naquela época é que lá, a despeito de toda a segregação racial surgiu uma classe média negra com poder aquisitivo, educação e propostas políticas que não aceitava mais ser considerada como cidadã de segunda classe.

Martin Luther King percebeu que um dos combustíveis dos movimentos pelos direitos civis na América era que muitos negros que participavam das marchas e protestos, não pretendiam “derrubar o sistema”, como acreditavam os radicais dos Panteras Negras. A grande maioria de homens e mulheres negros nas ruas da América naquela época, queria tão somente o direito de sentar-se em uma lanchonete, antes reservada apenas à clientela branca e comer um hambúrguer com batata frita, da mesma maneira que o freguês branco. Visto com mais de 50 anos de distância, não era pedir muito e na verdade, causa mesmo espanto constatar que a maior parte dos cidadãos americanos não via as coisas daquela maneira.

Angela Devis

Na América dos anos 60, que a cultura popular idealizou como o momento em que a Contracultura revolucionou o país, ainda existia a crença arraigada de que brancos e negros, independente de sua condição social deveriam ficar “juntos, mas separados”. Tratava-se de uma mentalidade, algo mais complexo do que apenas uma realidade econômica. Havia um consenso entre os ativistas moderados dos direitos civis e os mais radicais, de que a questão racial nos Estados Unidos não era apenas uma questão de dar emprego ao negro desempregado e tirar milhões de pessoas da pobreza. Havia sim, a pobreza e o desemprego, mas havia também “outra coisa”, mais intangível do que um cheque da Previdência Social. Esta coisa era a mentalidade (mindset) de que negros, por maior que fosse o seu saldo bancário eram afinal, “diferentes”.

Os conservadores e republicanos perceberam que a grandiloquência da promessa de uma “Grande Sociedade”, preconizada por Lyndon Jonhson e os democratas era cheia de falhas, e por conta disso, começaram a se movimentar.

É então que entra em cena, a personagem de Richard Nixon. Atualmente nos Estados Unidos, o único presidente americano a ter renunciado ao seu cargo, voltou a ser tema de livros, filmes e as inescapáveis séries de televisão por assinatura.

Nixon está sendo discutido mais uma vez nos Estados Unidos, não pelo fato de ter comandado uma equivocada “Guerra às Drogas”, seu nome também não é lembrado por ter sido o presidente que mandou o FBI e seus agentes invadirem a sede do Partido Democrata para instalarem aparelhos de escuta, o que lhe custou o cargo de Presidente.

O filme “The Post”, dirigido por Stephen Spielberg narra a história do que poderia ser considerado como o ancestral do WikiLeaks. O Jornal Washington Post publicou, em 1971 os documentos secretos sobre todas as ações secretas que o Estados Unidos estavam fazendo no Vietnã. Diante das câmeras, Richard Nixon afirmava que estava empenhado em tirar os soldados americanos da Ásia, o quanto antes, mas aqueles documentos secretos mostravam uma história completamente diferente.

Richard Nixon foi eleito em 1968, como um presidente republicano que havia assumido uma promessa perante o eleitorado: tirar os Estados Unidos da Guerra do Vietnã, custe o que custasse. Mas este mesmo eleitorado, que ele costumava chamar de “a maioria silenciosa” queria outra coisa dele.

Todos os programas sociais criados pela administração Lyndon Johnson, na opinião de muitos eleitores, não surtiram o efeito desejado. As cotas raciais, que garantiam acesso ao ensino superior a estudantes negros era uma forma de “racismo Invertido”, segundo os seus críticos. Os programas sociais de combate ao desemprego, eram paliativos que não tiravam estas minorias da miséria e aumentavam ainda mais a sua dependência em relação ao Poder Público.

Bem, se o leitor chegou até a esta parte do texto pode perceber a incrível semelhança entre este discurso, que ficou cada vez mais popular a garantiu a vitória a Richard Nixon em 1968, e as críticas aos programas sociais desenvolvidos nos últimos anos no Brasil. Não é uma mera coincidência.

O que Richard Nixon tinha a dizer aos negros americanos? Sua ideia era muito simples. Em uma crítica direta às ações afirmativas do Partido Democrata, Nixon dizia que revoltas como a de Watts eram a prova de que estas medidas estavam fadadas ao fracasso. Segundo Nixon, os negros não queriam “esmolas do Governo”, mas sim  serem considerados como membros ativos da maior nação capitalista do mundo. Eles queriam abrir empresas, prosperarem, ter acesso direto a crédito, queriam enfim serem “hustlers”, o termo mais próximo do que no Brasil conhecemos como “empreendedores” ou  “batalhadores”.

Nixon de olho nos que não se manifestam

Se eleito, Nixon prometia dar início à uma nova era para os negros nos Estados Unidos, a era do “Capitalismo Negro”. Nixon cunhou esta expressão poucos meses depois de ter assumido a Presidência, e ela ganhou imediatamente as manchetes. Afinal, o que viria a ser este “Capitalismo Negro”?

Os ativistas dos Panteras Negras foram os primeiros a desafiar a veracidade destas promessas. Se o capitalismo americano criou um sistema de segregação racial que só tinha paralelo em países com  apartheid, como era o caso da África do sul, como de uma hora para outra, este mesmo sistema iria admitir que negros pudessem participar deste mesmo sistema em condições de igualdade?

Mas Nixon não estava falando para os ativistas dos direitos civis, órfãos da liderança de um Martin Luther King, assassinado no mesmo ano em que ele chegou à Presidência da República. Nixon se dirigia àquela “maioria silenciosa”, os negros que sentiam o peso da segregação racial, mas não iam às ruas para protestar. A assessoria de Nixon percebeu que vários estudos apontavam que a maioria dos negros estava apoiava políticas que concedessem a eles oportunidades de criarem negócios, e que com isso, pudessem ascender socialmente.

Estes mesmos negros americanos, não viam problema em viver em um país capitalista. Para eles, o problema era não participar plenamente deste sistema. Estas mesmas pesquisas apontavam que “a maioria silenciosa” dos negros entendia por “cidadania”, a ampla participação na economia capitalista e no sistema vigente, e não a contestação à sua legitimidade, como entendiam na época os líderes de movimentos negros como Malcolm X, ou Angela Davis.

O governo Nixon percebeu que o “negro médio” americano pouco se identificava com uma personagem como Angela Davis. Paradoxalmente, ela gozava de mais crédito e respeitabilidade na classe média branca e liberal norte americana, do que entre os negros.

Mas isto era o que os assessores de Nixon constataram, seja como for, “o capitalismo negro” era mais do que uma frase de campanha. Ela encarnava uma intuição muito profunda sobre qual seria o verdadeiro anseio do negro americano no início dos anos 70. Gostemos ou não, havia uma dose de verdade ali: os negros tinham valores, aspirações e desejos praticamente idênticos à classe média branca norte-americana. Levar o “sonho americano” a estas massas parecia uma consequência natural deste raciocínio.

Criou-se então a ideia de que o “empreendedorismo” dos negros não era conflitante com a luta pelos direitos civis, muito pelo contrário.

Nixon renunciou em 1974, a História guardou para a posteridade a imagem de um presidente humilhado fazendo o “V” da Vitória, nos jardins da Casa Branca, antes de embarcar no helicópteros dos Fuzileiros Navais, e dar adeus ao cargo.

“O Capitalismo Negro” era uma frase campanha, como muitas que ficaram na história. Mas a ideia, o conceito, na minha opinião não morreu, muito pelo contrário. Ideias não morrem, ganham vida nas mãos de outras pessoas, em outros lugares e contextos. Ideias correm o mundo.

E por quê não haveria de uma ideia destas desembarcar no lado de baixo do Equador, em um país como o Brasil? O que seria deste “Capitalismo Negro” nestas plagas? Mas isso é assunto para outra história.

 

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