Menu

Cidades

Por que somos tão tolerantes diante dos homicídios praticados por agentes do Estado?

exercito-policia-operacao-rocinha-rio-de-janeiro-foto-fernando-frazao-agencia-brasil

OPINIÃO

E assim como o policial, a maioria da sociedade também não se identifica naquele jovem, nos milhares de João Pedros/ Reprodução

O menino João Pedro tinha 14 anos quando morreu com um tiro de fuzil na semana passada, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Seu corpo sangrando foi levado pela polícia, de helicóptero, sem ser dada qualquer informação do seu paradeiro aos familiares desesperados. Apenas no dia seguinte seu cadáver seria encontrado no IML do Rio, após os pais procurarem por hospitais e delegacias. Você que está lendo estas linhas, consegue imaginar a dor de uma mãe nessas horas? Difícil, não? Talvez seja justamente nesta dificuldade de sentir o pranto materno diante do corpo negro esvaindo sangue que esteja a explicação para nossa tolerância diante do número de jovens assassinados por agentes do Estado. Há tempos caminhamos em sentido contrário ao que se convencionou chamar de civilização. 

Que a sociedade brasileira se construiu apoiada na violência contra os setores menos favorecidos é um dado inegável que não permite relativismos: indígenas que aqui se encontravam e os negros escravizados trazidos do continente africano sentiram na carne e na alma a racionalidade ocidental em busca de ampliação de mercados, lucros, ou do que se queira chamar. A abolição dos escravos se traduziu numa nova opressão da qual o Brasil nem de longe conseguiu se redimir. O velho capitão do mato deu lugar ao policial militar, também negro, que adentra as comunidades atirando a esmo sem pensar que ali poderia estar um dos seus. Fato: ele não se identifica no jovem também armado que o enfrenta, ou pior, que corre segurando a mochila com cadernos, livros e estojo. 

E assim como o policial, a maioria da sociedade também não se identifica naquele jovem, nos milhares de João Pedros. Nesse processo de naturalização da violência nas periferias – sim, há uma geografia dos homicídios também impossível de ser relativizada – é retirada não apenas a vida deste jovens, mas também sua humanidade. Ele é o “outro”, como foram o indígena e o negro escravizado do passado. Afinal, de que forma os colonizadores cristãos poderiam permitir o extermínio de povos inteiros, mutilações e estupros, se não fosse apelando para a narrativa de que tais indivíduos não eram humanos? 

Muitos dos defensores da força usada em excesso pelos policiais se utilizam do argumento de que os traficantes também matam e que os ativistas de direitos humanos nada falam. Esquecem-se que um não age em conformidade com a lei – não à toa é definido como criminoso – e que o policial, ao menos em tese, deveria agir. Na casa onde estava o menino João Pedro havia cerca de 70 perfurações de bala. Isso mesmo que você leu: 70. Outras crianças também estavam na residência. Detalhe: era uma operação conduzida pelas Polícias Civil e Federal, de caráter menos repressivo que a Militar, por conta de suas atribuições investigativas.  

As taxas de homicídio registraram uma queda em todo o país no ano passado, mas as mortes por ação de agentes do Estado bateram recorde: 1.810 pessoas morreram durante operações policiais só no Rio de Janeiro!! Segundo o governador Wilson Witzel, “a política de segurança vem gerando resultados positivos mês a mês”, o que sinaliza para, no mínimo, a manutenção de tais números. E nem o período de isolamento decorrente da pandemia de covid-19 parece apontar uma trégua: seja na Cidade de Deus, na capital, ou nas Malvinas, aqui em Macaé, os agentes da lei seguem sua guerra ao tráfico, matando mais do que morrendo, diante do silêncio da sociedade brasileira. É possível não se sensibilizar diante da foto de um João Pedro sorrindo? A realidade até aqui tem mostrado que sim, é possível… Não percebemos, no entanto, que nesse processo de negarmos a humanidade do “outro” – seja matando ou silenciando – vamos também nos desumanizando pouco a pouco, até chegar o momento em que ninguém se reconhecerá nem mesmo diante do espelho.   

Mestre em Ciências Sociais pela UERJ, professor de Sociologia da Rede Municipal de Macaé, palestrante e ativista de direitos humanos

Artigo de opinião

Por que somos tão tolerantes diante dos homicídios praticados por agentes do Estado?

exercito-policia-operacao-rocinha-rio-de-janeiro-foto-fernando-frazao-agencia-brasil

OPINIÃO

E assim como o policial, a maioria da sociedade também não se identifica naquele jovem, nos milhares de João Pedros/ Reprodução

O menino João Pedro tinha 14 anos quando morreu com um tiro de fuzil na semana passada, no Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Seu corpo sangrando foi levado pela polícia, de helicóptero, sem ser dada qualquer informação do seu paradeiro aos familiares desesperados. Apenas no dia seguinte seu cadáver seria encontrado no IML do Rio, após os pais procurarem por hospitais e delegacias. Você que está lendo estas linhas, consegue imaginar a dor de uma mãe nessas horas? Difícil, não? Talvez seja justamente nesta dificuldade de sentir o pranto materno diante do corpo negro esvaindo sangue que esteja a explicação para nossa tolerância diante do número de jovens assassinados por agentes do Estado. Há tempos caminhamos em sentido contrário ao que se convencionou chamar de civilização. 

Que a sociedade brasileira se construiu apoiada na violência contra os setores menos favorecidos é um dado inegável que não permite relativismos: indígenas que aqui se encontravam e os negros escravizados trazidos do continente africano sentiram na carne e na alma a racionalidade ocidental em busca de ampliação de mercados, lucros, ou do que se queira chamar. A abolição dos escravos se traduziu numa nova opressão da qual o Brasil nem de longe conseguiu se redimir. O velho capitão do mato deu lugar ao policial militar, também negro, que adentra as comunidades atirando a esmo sem pensar que ali poderia estar um dos seus. Fato: ele não se identifica no jovem também armado que o enfrenta, ou pior, que corre segurando a mochila com cadernos, livros e estojo. 

E assim como o policial, a maioria da sociedade também não se identifica naquele jovem, nos milhares de João Pedros. Nesse processo de naturalização da violência nas periferias – sim, há uma geografia dos homicídios também impossível de ser relativizada – é retirada não apenas a vida deste jovens, mas também sua humanidade. Ele é o “outro”, como foram o indígena e o negro escravizado do passado. Afinal, de que forma os colonizadores cristãos poderiam permitir o extermínio de povos inteiros, mutilações e estupros, se não fosse apelando para a narrativa de que tais indivíduos não eram humanos? 

Muitos dos defensores da força usada em excesso pelos policiais se utilizam do argumento de que os traficantes também matam e que os ativistas de direitos humanos nada falam. Esquecem-se que um não age em conformidade com a lei – não à toa é definido como criminoso – e que o policial, ao menos em tese, deveria agir. Na casa onde estava o menino João Pedro havia cerca de 70 perfurações de bala. Isso mesmo que você leu: 70. Outras crianças também estavam na residência. Detalhe: era uma operação conduzida pelas Polícias Civil e Federal, de caráter menos repressivo que a Militar, por conta de suas atribuições investigativas.  

As taxas de homicídio registraram uma queda em todo o país no ano passado, mas as mortes por ação de agentes do Estado bateram recorde: 1.810 pessoas morreram durante operações policiais só no Rio de Janeiro!! Segundo o governador Wilson Witzel, “a política de segurança vem gerando resultados positivos mês a mês”, o que sinaliza para, no mínimo, a manutenção de tais números. E nem o período de isolamento decorrente da pandemia de covid-19 parece apontar uma trégua: seja na Cidade de Deus, na capital, ou nas Malvinas, aqui em Macaé, os agentes da lei seguem sua guerra ao tráfico, matando mais do que morrendo, diante do silêncio da sociedade brasileira. É possível não se sensibilizar diante da foto de um João Pedro sorrindo? A realidade até aqui tem mostrado que sim, é possível… Não percebemos, no entanto, que nesse processo de negarmos a humanidade do “outro” – seja matando ou silenciando – vamos também nos desumanizando pouco a pouco, até chegar o momento em que ninguém se reconhecerá nem mesmo diante do espelho.   

Mestre em Ciências Sociais pela UERJ, professor de Sociologia da Rede Municipal de Macaé, palestrante e ativista de direitos humanos

Artigo de opinião

NOTÍCIAS DE GRAÇA NO SEU CELULAR

A Prensa está sempre se adaptando às novas ferramentas de distribuição do conteúdo produzido pela nossa equipe de reportagem. Você pode receber nossas matérias através da comunidade criada nos canais de mensagens eletrônicas Whatsaap e Telegram. Basta clicar nos links e participar, é rápido e você fica por dentro do que rola na Região dos Lagos do Rio de Janeiro.

Faça parte da nossa comunidade no Whatsapp e Telegram:

Se você quer participar do nosso grupo, a gente vai te contar como vai ser agorinha mesmo. Se liga:

  • As nossas matérias chegam pra você a cada 1h, de segunda a sábado. Informações urgentes podem ser enviadas a qualquer momento.
  • Somente os administradores podem mandar os informes e realizar alterações no grupo. Além disso, estamos sempre monitorando quem são os participantes.
  • Caso tenha alguma dificuldade para acessar o link das matérias, basta adicionar o número (22) 99954-6926 na sua lista de contatos.

Nos ajude a crescer, siga nossas redes Sociais: Facebook, Instagram, Twitter e Tik Tok e Youtube

Veja Também

Dia das Crianças na Cervejaria Búzios será recheado de diversão e momentos especiais para toda a família

Colocando aposta online: o que precisa saber

XC RUN Búzios movimenta a cidade atraindo atletas e visitantes no mês de outubro

Andrezinho Ceciliano é eleito prefeito de Paracambi com 64,11% dos votos válidos

Coluna da Angela
Coluna Clinton Davison

A reprodução parcial deste conteúdo por veículos de comunicação é permitida desde que contenha crédito à Prensa de Babel na abertura do
texto, bem como LINK para o site "www.prensadebabel.com.br"
A supressão da fonte pode implicar em medidas de acordo com a lei de direitos autorais.