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Cidades

“Discurso de Ódio?” E daí?

 

Vossa Excelência não tem moral para estar nesta tribuna, pois mantém relações sexuais ilícitas com suas filhas e suas sobrinhas”. “E Vossa Excelência, o que dizer de seu comportamento como Procônsul? Tomou o poder para si e regalou-se com toda sorte de privilégios. Como pode em uma República, um funcionário de Roma agir como um Rei?”

Na Roma republicana acusar alguém de “incesto” era crime grave, da mesma maneira acusar um funcionário do Estado era também grave, posto que uma república, não tinha espaço para “reis”. Mas, foi nestes termos que Cícero e Sestius, dois membros do Senado romano trocaram pesadas acusações um contra o outro, em uma batalha verbal que não tinha lá muitas regras de decência. Ganhava quem golpeasse mais baixo, e jogasse o oponente na lona. Fosse nos dias de hoje, um debate parlamentar como este, mesmo nos conturbados tempos em que o Brasil vive, já seria motivo para processo por falta de decoro parlamentar, passível até de cassação do mandato.

Mas em Roma, o debate político era carregado de acusações pesadas como essas, conhecidas como “invectivas”. Basicamente, nessa disputa verbal não havia muitas regras para os debatedores “escracharem” um ao outro, em um vale-tudo bem pesado. Nos dias de hoje, alguém poderia facilmente falar em “discurso de ódio” mas, um romano via as coisas de maneira diferente.

Para ele, era “como as coisas eram, e por que razão haveria de ser diferente”? “Em Roma, faça como os romanos”, já dizia o ditado mais antigo do que as pedras, quer dizer, em Roma, se você fosse “escrachado”, “trolado”, tinha que pagar na mesma moeda. Era assim que eram as coisas, e porque haveria de ser diferente?

Penso que analisando com mais atenção este padrão de comportamento dos cidadãos e políticos romanos, há algo que poderíamos nos esforçar para compreender, e quem sabe talvez, até aplicar à nossa vida cotidiana. Aparentemente, não havia regras nos ataques entre os debatedores em Roma, mas sim, havia regras. Uma acusação quando feita por um oponente, era dirigida somente àquela pessoa, mas não ao grupo do qual ela fazia parte, regra aceita por ambas partes da contenda. Acreditava-se que se alguém conseguisse manter-se de pé depois de uma chuva de “invectivas”, de alguma maneira os envolvidos adquiriam uma “couraça”, que as impedia de levar para o lado pessoal as ofensas.

Fora do debate político, na vida cotidiana nas ruas romanas, a coisa não era muito diferente, era o que os romanos chamavam como parte da “urbanitas”, o conjunto de habilidades interpessoais que todo mundo deveria ter sobreviver em uma cidade como Roma. E o caso de perguntar: em que medida, compreender melhor como os romanos construíram sua “urbanitas”, aprendendo cotidianamente a não se curvar a ofensas pessoais, podemos trazer isso para nossos dias, e quem sabe, saber lidar melhor com o abuso e o assédio, tanto dentro quanto fora das redes sociais?

Os políticos aprendiam sem muita dificuldade, que não deviam levar ao pé da letra aqueles ataques pessoais, ao contrário, os romanos entendiam que fazer política era também, construir “anticorpos” contra o abuso. Interessante, não? Mas não nos enganemos: a “República romana” era muito diferente do modelo político que temos hoje, ela era uma oligarquia de bem-nascidos, com poder político, dinheiro e influência sobre vastas parcelas da população pobre, a sua “clientela”. O “povo” estava ausente dessas invectivas, esta elite política sabia que não era bom negócio provocar a ira popular.

É claro que qualquer comparação corre o risco do anacronismo, mas sou de opinião de que a lição de Maquiavel sobre os usos e funções da História ainda têm alguma validade para os dias de hoje. Em “Considerações sobre Primeira Década de Tito Lívio”, o florentino dizia expressamente que o estudo da História era uma prioridade para a compreensão e a prática da Política. Somente ela, segundo Maquiavel, era capaz de oferecer precedentes para a tomada de decisões. Maquiavel acreditava que o “Político” era o profissional que aprendia a duras penas, a arte de equilibrar-se entre a “virtú” e a “fortuna”.

Viver em Roma, sendo um político ou não, era estar sujeito a ser ofendido repentinamente. Foi xingado quando esbarrou em alguém na rua, sem querer? Sem problemas, pague na mesma moeda e devolva a ofensa, diziam os romanos. Assim, convivendo neste ambiente aprendia-se a não dar muita importância a tais abusos. Essa era uma das características distintivas da sociabilidade em Roma, diferente de viver em uma província afastada do Império.

Considero que tal comparação entre a retórica política na república romana e os dias de hoje levanta pelo menos uma questão, que considero bem interessante: a polarização pode evoluir para a “guerra civil” ou, em algum momento, os oponentes percebem a necessidade de debater em outro nível, este apoiado em mais evidências e menos agressividade? Maquiavel estava certo: a História pode ensinar sobre o Presente. Dá trabalho, mas é possível.

*Paulo Roberto Araújo é professor de História e Suburbano Convicto

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