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Diário do Fim do Mundo #16 – Por Sandro Peixoto (nosostros)

Sandro-Fim-do-mundo

Perdi definitivamente minha  esperança no povo brasileiro em 1989. Regressando de Pernambuco  em direção à  Ilhabela, aonde morava, tive que fazer uma baldeação na cidade de Osasco, em São Paulo. Fui levar um amigo que jamais havia saído do Nordeste na casa de outro amigo. Eles eram músicos e tinham uma banda no Recife. Resolveram tentar a sorte no sul maravilha e por falta de grana a banda se juntou aos poucos. 

Chegamos à noite.  Fazia um frio desgraçado.  O amigo que morava em Osasco nos recebeu em sua porta.  Fomos dormir e pela manhã, um sábado frio, resolvemos ir a uma feira livre comprar legumes para um almoço típico nordestino. Na rua da feira havia uma mercearia especializada em produtos nordestinos. Charque, macaxeira, gerimun, feijão de corda, manteiga de garrafa, etc.


Enquanto meu amigo comprava os fantásticos ingredientes, passeei a observar os detalhes dos feirantes. Primeiro  me chamou a atenção um vendedor  de agulhas de costura de mão. Pequenos pacotes laminados com uma dúzia delas de vários tamanhos. O preço era algo absurdo, coisa de 1 real . Fiquei a pensar:  quanto custa produzir e embalar 12 agulhas? Ainda tem o atravessador. Por  quanto chega na mão  do vendedor final? Quantas agulhas ele precisa vender por dia para ganhar um mínimo possível para sobreviver?


Como não tinha as respostas e o tempo me sobrava pensei em perguntar mas fui surpreendido com outra cena  ainda mais perturbadora. Poucos metros adiante, um jovem esguio trajando calça cáqui de tergal, camisa de mangas longas e botina surrada, vendia lâmpadas incandescentes (daquelas de vidro transparente) queimadas.  Estava bem escrito numa pequena tabuleta. LÂMPADAS QUEIMADAS. O preço  que estava logo abaixo não lembro.


Não lembro pois minha cabeça entrou em parafuso. Poxa! Quem compraria lâmpadas queimadas? Enquanto meu consciente  buscava uma resposta, o sub-consciente  deu uma pista. Lá  mesmo na Ilhabela  aonde eu morava já havia visto numa loja de souvenirs algumas lâmpadas com pequenas réplicas de embarcações dentro. Pronto: matei a charada.

Minha curiosidade no entanto falou mais alto e fui até o rapaz em busca da resposta. O  que ele me revelou me deixou perplexo e desconfiado.  Não podia ser. Parecia uma fala retirada de algum livro de realismo fantástico bem ao estilo do grande Gabriel Garcia Marques.


“Vendo essas lâmpadas basicamente  para  funcionários  públicos.  Professores, fiscais, bancários. Geralmente são eles meus principais clientes”, revelou Valter (foi assim que ele se apresentou).

Mas a resposta ainda não fazia sentido para mim, e diante da incredulidade estampada em meus  olhos ele arrematou: “É que se a pessoa roubar uma lâmpada da repartição pública alguém vai reclamar. Mas se a pessoa trocar uma lâmpada boa por outra queimada tudo bem.  Não levantará nenhuma suspeita”.


Conto essa história para mostrar um traço da falta  de caráter  do brasileiro  comum. É esse brasileiro que hoje mesmo podendo, teima em não respeitar o confinamento solicitado pelas autoridades responsáveis. Esse povinho sem caráter que não se preocupa com a vida alheia. Os irmãos argentinos, muito mais civilizados que nosotros estão dando um aula de cidadania. 


Lá, para melhorar, eles têm  um presidente consciente. A taxa de confinamento beira os 90%, enquanto por essas bandas, provocados por um presidente miliciano e sem escrúpulos, nossa taxa não passa de 60%. Para piorar, enquanto ministro da saúde pede para as pessoas ficarem em casa o presidente maluco faz o contrário. 


Mas a ação  tresloucada do Bolsonaro é  parte lateral da situação. O brasileiro  não vai respeitar o confinamento. Uma mistura de ignorância, falta de caráter,  falta de respeito com o próximo e principalmente  alucinação religiosa  nos levará  a ser uma das Nações com mais vítimas da Covid19.


Enquanto escrevo o país de Astor Piazolla contabilizava 82 mortos, enquanto na terra  de Malafaia já são 1.100. Alguém com direito pode argumentar que não se pode comparar a população dos países. Decerto. Mas podemos sim comparar a Argentina com o estado de São Paulo. Nossa realidade é  vergonhosa e a culpa é  desse povinho capaz de comprar lâmpadas  queimadas para se dar bem em alguns míseros  trocados.

Este é um artigo de opinião de responsabilidade do seu autor e não representa necessariamente a opinião do Jornal.

https://prensadebabel.com.br/index.php/2020/04/09/diario-do-fim-do-mundo-15-por-sandro-peixoto-canico/

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Diário do Fim do Mundo #16 – Por Sandro Peixoto (nosostros)

Sandro-Fim-do-mundo

Perdi definitivamente minha  esperança no povo brasileiro em 1989. Regressando de Pernambuco  em direção à  Ilhabela, aonde morava, tive que fazer uma baldeação na cidade de Osasco, em São Paulo. Fui levar um amigo que jamais havia saído do Nordeste na casa de outro amigo. Eles eram músicos e tinham uma banda no Recife. Resolveram tentar a sorte no sul maravilha e por falta de grana a banda se juntou aos poucos. 

Chegamos à noite.  Fazia um frio desgraçado.  O amigo que morava em Osasco nos recebeu em sua porta.  Fomos dormir e pela manhã, um sábado frio, resolvemos ir a uma feira livre comprar legumes para um almoço típico nordestino. Na rua da feira havia uma mercearia especializada em produtos nordestinos. Charque, macaxeira, gerimun, feijão de corda, manteiga de garrafa, etc.


Enquanto meu amigo comprava os fantásticos ingredientes, passeei a observar os detalhes dos feirantes. Primeiro  me chamou a atenção um vendedor  de agulhas de costura de mão. Pequenos pacotes laminados com uma dúzia delas de vários tamanhos. O preço era algo absurdo, coisa de 1 real . Fiquei a pensar:  quanto custa produzir e embalar 12 agulhas? Ainda tem o atravessador. Por  quanto chega na mão  do vendedor final? Quantas agulhas ele precisa vender por dia para ganhar um mínimo possível para sobreviver?


Como não tinha as respostas e o tempo me sobrava pensei em perguntar mas fui surpreendido com outra cena  ainda mais perturbadora. Poucos metros adiante, um jovem esguio trajando calça cáqui de tergal, camisa de mangas longas e botina surrada, vendia lâmpadas incandescentes (daquelas de vidro transparente) queimadas.  Estava bem escrito numa pequena tabuleta. LÂMPADAS QUEIMADAS. O preço  que estava logo abaixo não lembro.


Não lembro pois minha cabeça entrou em parafuso. Poxa! Quem compraria lâmpadas queimadas? Enquanto meu consciente  buscava uma resposta, o sub-consciente  deu uma pista. Lá  mesmo na Ilhabela  aonde eu morava já havia visto numa loja de souvenirs algumas lâmpadas com pequenas réplicas de embarcações dentro. Pronto: matei a charada.

Minha curiosidade no entanto falou mais alto e fui até o rapaz em busca da resposta. O  que ele me revelou me deixou perplexo e desconfiado.  Não podia ser. Parecia uma fala retirada de algum livro de realismo fantástico bem ao estilo do grande Gabriel Garcia Marques.


“Vendo essas lâmpadas basicamente  para  funcionários  públicos.  Professores, fiscais, bancários. Geralmente são eles meus principais clientes”, revelou Valter (foi assim que ele se apresentou).

Mas a resposta ainda não fazia sentido para mim, e diante da incredulidade estampada em meus  olhos ele arrematou: “É que se a pessoa roubar uma lâmpada da repartição pública alguém vai reclamar. Mas se a pessoa trocar uma lâmpada boa por outra queimada tudo bem.  Não levantará nenhuma suspeita”.


Conto essa história para mostrar um traço da falta  de caráter  do brasileiro  comum. É esse brasileiro que hoje mesmo podendo, teima em não respeitar o confinamento solicitado pelas autoridades responsáveis. Esse povinho sem caráter que não se preocupa com a vida alheia. Os irmãos argentinos, muito mais civilizados que nosotros estão dando um aula de cidadania. 


Lá, para melhorar, eles têm  um presidente consciente. A taxa de confinamento beira os 90%, enquanto por essas bandas, provocados por um presidente miliciano e sem escrúpulos, nossa taxa não passa de 60%. Para piorar, enquanto ministro da saúde pede para as pessoas ficarem em casa o presidente maluco faz o contrário. 


Mas a ação  tresloucada do Bolsonaro é  parte lateral da situação. O brasileiro  não vai respeitar o confinamento. Uma mistura de ignorância, falta de caráter,  falta de respeito com o próximo e principalmente  alucinação religiosa  nos levará  a ser uma das Nações com mais vítimas da Covid19.


Enquanto escrevo o país de Astor Piazolla contabilizava 82 mortos, enquanto na terra  de Malafaia já são 1.100. Alguém com direito pode argumentar que não se pode comparar a população dos países. Decerto. Mas podemos sim comparar a Argentina com o estado de São Paulo. Nossa realidade é  vergonhosa e a culpa é  desse povinho capaz de comprar lâmpadas  queimadas para se dar bem em alguns míseros  trocados.

Este é um artigo de opinião de responsabilidade do seu autor e não representa necessariamente a opinião do Jornal.

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