“Se tiver que existir uma dicotomia entre o amor e ódio, eu escolho o amor” (Matheusa Passareli)
A filósofa Judith Butler, ao analisar a matriz heterossexual que reconhece apenas homem e mulher heterossexuais como sujeitos, percebe que essa matriz se estrutura em uma perspectiva essencialista e biologizante, e entende que essa mesma matriz, que orienta as instituições sociais e nossa própria perspectiva sobre homens e mulheres, produz pessoas abjetas. Dissidentes das normas de gênero, essas pessoas estão fora da hierarquia dos sujeitos. A abjeção torna essas pessoas irreconhecíveis socialmente. Isso faz com que não apenas estas pessoas estejam mais sujeitas à violência, mas que sejam efetivamente violentadas. “CRUCIFICA-O! CRUCIFICA-O!” gritava a multidão. O corpo do homem que não era reconhecido socialmente foi espancado, retalhado e por fim crucificado. Abandonado no monte Calvário. Corpo abjeto. Corpo estranho. Corpo que subverte a norma hegemônica. Corpo que ousou chutar os vendilhões do templo. O corpo de Matheusa foi queimado. Corpo abjeto. Corpo estranho. Corpo que subverte a norma hegemônica. Corpo binário, que não se identifica como homem e como mulher. Corpo humano. Corpo dissidente das normas de gênero. Corpo abandonado no morro carioca. Corpo perdido no bairro do Encantado. Incendiado e silenciado, o corpo humano de Matheusa é o grito oco que arrepia a alma, enche a boca de sangue, sufoca e faz o peito apertar. Quantos corpos serão crucificados diariamente e incendiados por denunciarem a estrutura social patriarcal e heteronormativa? Quantos corpos humanos serão sacrificados por recusarem a abjeção e revolucionarem, corpos-revolução em si? Quantas mais de nós terão que morrer para que essa estrutura de gêneros, artificial e assassina, persista e exista, gerando papel dinheiro para uma minoria? Quantas mais de nós terão seu brilho nos olhos cegados, seu orgulho silenciado e seu sorriso apagado? Quantas mais de nós serão excluídas da sociedade apenas por (re) existirem? Matheusa não morreu. Matheusa se encantou, como prometeu João Guimarães Rosa. Matheusa não é sua filha. Matheusa poderia ser sua filha. Matheusa é a filha do Amor.
Matheusa Passareli desapareceu na madrugada de 29 de abril após sair de uma festa no Encantado, na Zona Norte do Rio de Janeiro e seu corpo foi encontrado queimado. O Brasil lidera as estatísticas de assassinatos de pessoas LGBTI no mundo.
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