Búzios, 25 de março de 2020
O Som ao Redor, do cineasta pernambucano Kleber Mendonça Filho (o mesmo de Aquarius e Bacurau) é um dos filmes mais interessantes que já assisti. Apesar de ter sido incluído na lista dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema, nem vou perder meu tempo indicando-o, pois infelizmente o brasileiro comum prefere assistir pela enésima vez um filme americano com cachorros falantes na Sessão da Tarde que uma boa produção nacional.
O Som ao Redor conta a história de um bairro classe média do Recife, de rotina simples. Um dia, um homem aparece e passa a oferecer aos moradores serviço de vigilância com ronda diurna e noturna. A câmera mais que focar no visual e nos personagens se apega, como poucas vezes vista no cinema mundial, nos ruídos que cercam os moradores locais. O abrir e fechar de portas e portões, latidos de cachorros, o ranger dos pneus dos carros no asfalto abrasivo, vozes soltas ao acaso, o vai e vem das ondas do Atlântico quebrando sobre os arrecifes da praia de Boa Viagem, e assim por diante.
É um filme de poucos diálogos e muita introspecção. Uma história de solidão comunitária. O silêncio eloquente dos personagens frente às novas situações revela mais que qualquer fala. Não se trata de um filme qualquer. É quase um estudo sociológico.
Alguém me disse um dia que o cinema é a única indústria de protótipos do mundo. Cada filme fala por si só. O Som ao Redor é um deles.
Talvez essa regra não valha para filmes da Marvel, por exemplo. Mas aquilo é quase um não-cinema como bem lembrou o diretor Martin Scorsese.
Atualmente Búzios lembra muito o ambiente do O Som ao Redor. Ontem a noite sai pelas ruas do Centro e parecia que fazia parte de um filme mudo. Só faltou o preto e branco típico da época.
Nada se ouvia. Nem sequer o barulho das folhas, pois nem vento havia. Percorri a Rua das Pedras de ponta a ponta. Fui até o cais ver o mar. Ele também estava calado. Paisagem Flat. Mar de almirante como costumam dizer os navegadores. Já pela manhã, o único barulho presente era provocado pelos vassourões dos funcionários da empresa de limpeza pública. Três senhores circunspectos com máscaras na boca seguiam com a rotina ordinária de recolher o lixo alheio. Mas nem isso havia. Apenas flores e folhas caídas e aqui ali uma ponta de cigarro.
Sempre que alguém me pergunta o porquê de nunca ter entrado na política respondo que só faria se fosse para ser candidato a prefeito. Caso eleito, primeira medida seria baixar um decreto mandando todos os moradores da cidade embora. Inclusive eu. Esse paraíso há tempos merece uma sociedade melhor.
Ontem à noite olhando as ruas vazias achei por um momento que meu desejo havia se realizado. Hora de fazer as malas, pensei.
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